sexta-feira, 19 de abril de 2013

Capítulo 4: O novo universo, o sonho molhado e o fogo santo

Nino e sua família moraram por cinco meses em um sobrado que ficava atrás da casa de Washington. Ele e sua família saíram de lá devido ao temperamento da mãe de Washington, mas ficaram gratos pela ajuda. Durante esse período, Nino aprendeu com Michele a ler e escrever e quando saíram de lá, havia todo um universo esperando que Nino o folheasse.

Agora que estava separado de sua família novamente, Nino ficou dois meses na mais incrível casa que poderia querer: Jorge e Ângela eram pessoas maravilhosas e tinham dois filhos - Mariana, adolescente linda e esperta, e Emanuel, um menino hiperativo e super divertido. Todos frequentavam a igreja que Nino poderia encontrar sua mãe. Ali, Nino tinha à disposição uma estante cheia de livros infanto-juvenis e os devorava com muito prazer.
Numa certa noite, se prendeu em uma leitura intrigante que dizia que nós éramos os extra-terrestres. Quando deu conta de si, todos tinham ido para a cama.

Decidiu ir para a cama também. O sono fora estranho, pois envolvia uma versão adulta de si, uvas, creme de leite e uma pessoa que ele nunca viu. Nino tivera sua primeira polução noturna. Acordou no meio da noite todo melado. Não sabia o que era aquilo. Foi se limpar e voltou a dormir.

Mariana ficava cada dia mais linda aos olhos de Nino, que, por sua vez, se relacionava com ele da mesma forma que Sakura se relaciona com Naruto, mas nada que o incomodasse, tanto que, certa feita, após ler um livro com uma temática um pouco avançada para sua idade e ficar com medo de dormir sozinho, Mariana o permitiu dormir no tapete de seu quarto (e claro, depois Nino levou uma repreensão de seu Jorge por ter feito isso).

Os jornais noticiaram que o asteróide gigante Shoemaker-Levy 9 se chocaria contra o planeta Júpiter. Naquele dia, Mariana e Nino passaram horas divagando se seria possível que destroços do planeta viriam em direção à Terra. Mal sabiam que Júpiter era “o gigante gasoso“.



A noite seguinte não fora das melhores. Nino acordou com muito frio. Estava com febre alta. Um zumbido alto em seus ouvidos o atormentava, mas ele não pediu ajuda. Adormeceu outra vez.

Chegara a hora de Nino sair dali. Naquela casa, Nino aprendera alguns bons modos, educação que não tivera como aprender com sua família. Agora ele iria conhecer o jovem Cesar e ficar alguns dias com ele. Evangélico e inteligente, Cesar e sua mãe cuidavam com carinho de Nino e foi com Cesar que ele presenciou algo fantástico e sobrenatural.

Era comum ouvir nas rodas de conversas entre os irmãos mais “ungidos“ da igreja sobre o “fogo santo“. Pedaços de gravetos e folhas que brilhavam como brasa, mas não queimavam, durante vigílias de oração em montes. Nino tinha uma fé enorme e suas orações eram fervorosas. Cesar então convidou Nino para subir ao monte com seu grupo de oração.

Era noite de Lua cheia e o caminho acidentado estava bem iluminado. Chegaram a uma clareira no meio da mata a ali começaram a entoar louvores. As orações começaram. Em poucos minutos, todos falavam línguas estranhas.

Abri meus olhos. O lugar, outrora escuro, parecia iluminado por um lampião. Gravetos e folhas no chão pareciam estar em brasas. Peguei um graveto aceso e coloquei na palma da mão esquerda e observei por um tempo, maravilhado. Não queimava. O calor ali era aconchegante. Amanheceu o dia e fomos embora.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Capítulo 3: a culpa, a separação dolorosa e a decepção com o pai

Embora Nino e sua mãe não tivessem onde morar, tinham alguns poucos móveis velhos que restaram da época em que ainda moravam em Bela Aurora. Um fogão vermelho, uma botija de gás, dois colchões de solteiro, uma mesinha com pés de metal e duas ou três cadeiras. Esses bens ficavam guardados nos fundos da casa de uma conhecida de família.

De alguma forma, dona Lana conseguira dinheiro o suficiente para pagar aluguel de uma pequena casa de dois cômodos próximo à casa da família do pequeno Washington. Pegaram seus móveis e entraram na casa. Pronto! Agora tinham onde comer e dormir por um tempo.

Nino estava prestes a completar oito anos. Um dia, na casa de Washington, começaram a brincar. De alguma que ele depois não se lembrava mais, os dois estavam dentro do banheiro. A brincadeira de criança deu lugar a uma viagem de descoberta que, embora os dois não soubessem de que se tratava, possivelmente tinham em mente que aquilo poderia não ser ruim. Sua mãe percebera o que havia acontecido e no caminho para casa, começou a chamar atenção do menino.

- O que vocês estavam fazendo?
Nino não respondeu. Estava com tanta vergonha que a voz não saia.
- Isso não é coisa de gente direita! Quando chegar em casa você vai dobrar os joelhos e pedir perdão à Deus. Tá entendendo?

Ele não sabia que aquilo era tão errado. Na verdade, nem sabia o que era aquilo, mas já sabia o que era o sentimento de culpa.

Certo dia, Nino começara a repetir enquanto andava com sua mãe, palavras que ouviu em uma brincadeira, no entanto, não fazia ideia do que aquilo significava, tanto que repetia de forma errada:
- Impa - pá - impa - pá - impa - pá.
- Que isso, meu filho? - Indagou sua mãe.
- Não sei! Mas ouvi isso e achei legal!
- Hmmm...acho que está na hora de você conhecer seu pai!
- E onde mora meu pai?
- No Rio de Janeiro.
- E o Rio de Janeiro é longe?
- Dá umas oito horas de viagem.
- Hmmmm... - Nino colocou o dedo indicador sobre os lábios tentando imaginar quanto seria oito horas.
- Ah, mãe, você vai comigo?
- Não, meu filho. Você vai com sua avó.

Nas semanas seguintes, Nino perguntava sobre tudo e qualquer coisa sobre o Rio.
- No Rio de Janeiro tem ônibus?
- Tem sim.
- No Rio de Janeiro tem mar?
- Tem sim, meu filho.
- No Rio de Janeiro tem passarinho?
Qualquer coisa que ele via era motivo para saber se também havia no Rio de Janeiro.

Finalmente, o dia da viagem chegara. O embarque era as 22 horas. Uma aflição começara a tomar conta do coração do pequeno Nino, afinal, ele não sabia o que o esperava no Rio, mas o que mais doía era o medo de ficar sem sua mãe. Começou um choro intenso, como se estivesse à caminho da cadeira elétrica.
- Mãe! Eu não quero ir! Por favor! Me deixe ficar com você!
- Quieto menino! - tentava acalmá-lo a avó.
- Não me deixe, mãe! Não me deixe!
- Mamãe vai esperar você aqui, meu filho! - Dizia a mãe com os olhos úmidos.

Nino foi forçado pela avó a embarcar. O ônibus deu partida e o choro aos poucos foi diminuindo.

Chegaram ao Rio e se hospedaram na casa de sua tia. A semana seguinte era a vez de Nino realmente conhecer seu pai. Ele imaginava que seu pai fosse um homem legal, assim como o irmão Antônio, que adorava sua companhia na igreja e a recíproca era verdadeira. Antônio o levava para sua casa de vez em quando e cuidava dele como se fosse um filho. Nino, na verdade, tinha uma ponta de esperança de que sua mãe um dia se tornasse esposa do irmão Antônio e ele tivesse alguém que ele poderia chamar de pai.

Sua avó, iletrada, não sabia o ônibus que a levaria até o homem, mas sabia o nome do bairro. Após algumas direções erradas e ônibus errados, chegaram à noite no Bairro dos Cavaleiros. Subiram uma ladeira e aproximaram-se da casa de seu pai - uma casa simples e mal cuidada para os padrões das casas que a rodeava. Sua avó bateu palmas e foi atendida por uma senhora.
- Oi!
- Oi! Sou eu, Mira! Eduardo está aí? - perguntou a avó.
- Tá não! Ele deve estar no bar logo abaixo.

Voltaram pela rua e na descida da ladeira estava o bar. Dentro dele, vários homens conversavam alto e bebiam. A avó avistou o pai do menino e o convidou a sair para o lado de fora do bar. Um homem de estatura média, sem camisa e com pêlos espalhados por uma barriga volumosa se aproximou. Estava com os olhos vermelhos.
- Esse é seu filho, Eduardo.
- Nossa! Como cresceu!
O hálito de cerveja e outros etílicos era inaceitável para os padrões evangélicos em que o menino vinha crescendo.
O pai passou a mão na cabeça do filho. Conversou alguns assuntos com a avó que para ele não faziam muito sentido. Na verdade, ele nem estava prestando atenção. Esperava que seu pai fosse um homem mais legal. Uma pessoa mais extrovertida. Talvez até um homem bem-sucedido.

O pai entrou no bar e logo retornou com um pacote de biscoito recheado para o menino. Fez algumas perguntas que o pequeno timidamente respondeu.
Despediram-se do pai de Nino e voltaram para a casa da tia.

Na semana seguinte, sua tia, que lhe dera hospedagem, presenteou o filho e Nino com um enorme caminhão de bombeiro de brinquedo para cada. Foi uma felicidade só, que durou dois dias. O brinquedo, que Nino guardara sob a cama de sua tia havia sido despedaçado quando a cama - seja por excesso de peso de sua avó ou por ser um pouco velha, não aguentou e quebrou-se.

Estava chegando a hora de voltar para Vitória e eu não me aguentava de saudades de minha mãe. Quanto ao meu pai...não fez diferença. Ele não passava de um bêbado de porta de bar.

Algumas semanas após ter voltado do Rio, estávamos nos mudando para os fundos da casa dos pais do Washington.

Capítulo 2: Os ovos da galinha azul

A situação não mudou. Dia após dia, semana após semana, o pequeno Nino sentia uma grande tristeza. Não eram raros os momentos em que refletia sobre as canções que entoava na igreja. Uma delas dizia “sou feliz. Sou de Jesus, Jesus é meu“, mas Nino não era feliz. Não entendia o sentido da palavra felicidade.

“Minha felicidade é ter Jesus no coração“, pensava às vezes, mas um vazio se avolumava em seu peito e Nino não entendia como um Deus tão rico, tão forte e tão poderoso podia permitir que ele não tivesse uma casa para morar. Aos sete anos já era para Nino saber ler, mas o vai-e-vem diário não permitia que ele ficasse em uma escola. Embora sem educação garantida, Nino aprendia costumes diferentes com as famílias que ficava.

Uma marca de tempero para alimentos havia iniciado uma promoção. “Leve uma quantidade de temperos e ganhe nosso mascote“, uma simpática galinha em miniatura que botava ovos de plástico.



Nino estava com sua mãe e a família que abrigá-lo-ia por umas semanas no supermercado. Com eles, havia um menino, Washington, de quatro ou cinco anos.
A família era de posses. Tinha uma fábrica de móveis. As crianças, Michele e Washington eram sortudas. Tinham pai, mãe presente e muitos brinquedos e naquela noite adicionavam mais alguns à sua coleção.

Nino ganhara de sua mãe uma galinha, assim como Michele e Washington. Despediu-se de sua mãe com um abraço apertado. Não sabia quantos dias iria ficar sem vê-la. Entrou no carro e foi com eles. Cada um com sua galinha. Ao chegar na casa da família, foi logo sendo arrastado para o quarto por Washington.

- Vamos! Vamos! Tenho um monte de coisa pra mostrar!
Falava animado o pequeno sortudo.
Nino entrou em um quarto bonito. Uma caixa à esquerda denunciava a quantidade de mimos que o pequeno Washington recebia.

Washington puxou a pesada caixa de brinquedos e colocou alguns no chão. Nino pegou a galinha que tinha. Brincaram um pouco. Washington então decidira parar. Não queria mais brincar. Pegou seus brinquedos e a galinha de Nino.
- Hey! A galinha é minha! - disse Nino.

Começaram uma disputa por uma galinha de plástico. Nino já sabia que era uma batalha perdida.  Pegou os ovos da galinha na vã esperança de que Washington, que já começara a gritar, reconhecesse seu erro. Levantou-se e tentou correr. Washington o agarrou gritando que queria os ovos. Com alguma dificuldade, Nino conseguiu se livrar de Washington. Correu em direção à saída do quarto. Atravessou-a puxando a porta pela maçaneta. Washington no exato momento em que Nino puxava a porta, colocara seu braço entre a porta e o batente para impedir que ela se fechasse.

- O que você está fazendo?
Era a mãe de Washington. Senti um calafrio subir a espinha e as bochechas queimarem de vergonha.

- Seu monstro! - ouvi aquela voz autoritária e em tom acusativo.
Abri as mãos e lentamente soltei os ovinhos. Eu não tinha argumentos, nem precisava mesmo da galinha...só precisava de um teto para me abrigar.

Capítulo 1: A Ovelha


A raça humana, embora tenha a capacidade de manter registros e dados históricos que sirvam de futuras referências, que sirvam para nos guiar por determinados caminhos, ou para nos fazer refletir sobre os erros que cometemos, também costuma ter memória fraca e esquecer alguns erros. Por isso, vivemos uma história cíclica. Os erros que nossos ancestrais cometeram, nossos filhos, ou os filhos de nossos filhos, os os filhos dos filhos de nossos filhos cometerão. E lamberão os dedos com o sangue dos inocentes, e rirão de sua glória, e então, a razão será perdida outra vez, até que possa ser novamente alcançada.


Era uma fria noite inverno no ano de 1990. Nino tinha apenas 7 anos de idade. A hora se aproximava das doze badaladas que qualquer relógio mecânico de parede faria.

Lana era bastante conhecida na igreja que frequentava todos os dias há quase quatro anos. Muitos sabiam de sua vida, suas necessidades, inclusive os pastores e dirigentes. Lana não tinha uma casa para morar. Tinha um filho, Nino, que ficava com diferentes famílias que conhecera na igreja, assim como sua mãe, a avó de Nino. A criança ficava uma semana com uma família, outra semana com outra família. Isso começara à dois anos.

Mais cedo, Nino e Lana, sua mãe, estiveram em um fervoroso culto da igreja em que eventualmente se encontravam e matavam a saudade após dias sem se verem. Naquela noite, no entanto, Nino e sua mãe não sabiam onde repousariam. Estavam em um ponto de ônibus localizado em uma praça próximo à igreja e viam aos poucos os irmãos e irmãs tomando a lotação que as levaria para o conforto de seu lares.

Sentados em um banco de cimento, mãe e filho sentiram no estômago o vazio da fome. O vento sul passava e deixava aparente nos braços da criança o arrepio do frio.

- Mãe, onde vamos dormir hoje?
- Ainda não sei meu filho. Deus proverá um lugar pra gente passar a noite.
- Eu estou com fome. A senhora está?
Uma lágrima desce pelo rosto da senhora de traços marcantes que segurava a pequenina mão menino.
- Mamãe também está, mas a gente vai comer algo logo, logo.

O ponto de ônibus já estava vazio, no entanto, o desespero não tomou conta dos dois. Em um determinado momento, a mulher se lembrou de um lugar que poderiam passar aquela noite. Tomaram um ônibus e foram-se dali.

Chegaram em um lugar pobre. Aos poucos, as casas de alvenaria foram dando lugar a casas de madeira. A escuridão estava cada vez mais densa, mas ainda era possível ver uma ponte de madeira que dava acesso às palafitas. Pronto. Tinham chegado a um lugar que poderiam se abrigar do sereno e passar a noite juntos. Mãe e filho.
Para os dois, aquele era um momento raro. Um momento de felicidade, afinal, não era todo dia que podiam dormir juntos. Davam graças à Deus por essa oportunidade.

Entraram na palafita escura. Havia um colchão. Dormiram juntos. E a fome? Sinceramente...não lembro...